- MISSA DO GALO -
CONTO DE
MACHADO DE ASSIS
Missa do Galo é publicado pela primeira vez em l893 e em 1899 é incluído no livro " Páginas Recolhidas " também de Machado de Assis.
Nesse conto como em qualquer outra obra machadiana ele nos narra coisas difíceis de se entender em totalmente fáceis. Como o adultério. Transforma esse ato de amargura para alguns em um ato melancólico para outros.
O conto é narrado por Nogueira um jovem adolescente de 17 anos que vem para o Rio de Janeiro para estudar preparatórios e se hospeda na casa do Escrivão Meneses.
Meneses fora casado com uma prima de Nogueira, que falecera. Casou-se novamente com Conceição, uma mulher jovem de apenas 30 anos, que sabia das traições de seu marido. Mulher da época de Machado de Assis, ao meu ver resignada ao juramento fiel que fizera por ocasião de seu Sacramento do Matrimonio. Uma típica mulher dos anos que se decorre o conto. Uma santa assim como narra Nogueira:-
" Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar: pode ser até que não soubesse amar. Tudo era atenuado e passivo."
O diálogo entre Nogueira e Conceição se passa na noite de Natal. Nogueira fica aguardando na sala da casa, alguns amigos vizinhos que o acampanharam à Missa do Galo. A casa já dormia, apenas Conceição estava acorda, e vem para a sala. Nogueira que espera a ler algo fica sem jeito.
Mas daí trava-se um longo e delicado diálogo. Falam de livros, das festas religiosas na corte, que são bem diferentes das do interior.
E assim fazem uma ponte de doce sedução. Nas entrelinhas , assim como Machado de Assis gostava de fazer.
Um conto cheio de sedução. misterio, traição, onde Machado nos leva encantadoramente a ver a cena, como descreve Nogueira:-
" Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mámore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalhadas. Não estando abotadas, as mangas caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços..."
Machado de Assis me fez dar uma volta ao tempo, pois confesso não ter lido esse conto.
Só depois de aceitar a participar da Blogagem Leitura Coletiva proposta por Vanessa do Fio de Ariadine,
é que fui ler e me apaixonei ainda mais por Machado de Assis esse nosso Príncipe da Literatura Brasileira.
Missa do Galo nos traz a tona o tema adultério e sedução. Delicadamente Conceição é uma mulher extremamente sedutora e Nogueira, o jovem adolescente fica encantado com ela e quase acaba perdendo a hora da Missa.
Machado nos relata as vicissitudes do amor, o erotismo velado de maneira tão lúdica e gostosa, o adultério ditado em dupla perspectiva: assumido e mental, insinuado, faz uma relação entre ser e parecer com o comportamento das pessoas.
Nogueira o narrador do conto durante a Missa do Galo não consegue desviar seu pensamento da doce e sedutora Conceição e no dia seguinte, na manhã do Natal ele relata, no fim do conto:-
"E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em Março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido".
Como no início do conto, Nogueira o narrador diz:-
"Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora..."
As obras de Machadianas são assim, você as vai entendo nas entrelinhas, nos pequenos espaços entre um ponto e uma vírgula.
Por isso Machado de Assis é considerado o nosso Príncipe.
Para meu maior conhecimento e indico a todos que se interessarem, li também;
"MISSA DO GALO MACHADO DE ASSIS - VARIAÇÕES DOBRE O MESMO TEMA -
OSMAM LINS E OUTROS DA EDITORA jOSÉ OLYMPIO -
Muito esclarecedor também, vale a pena ler e ter em sua biblioteca particular.. É uma coletânea de contos de vários escritores sobre o mesmo tema do conto Missa do Galo grandiosa obra de Machado de Assis.
Espero ter conseguido atingir o objetivo da Blogagem Leitura Coletiva proposta pela encantadora Vanessa do Blog Fio de Ariadne.
Me fez ler alguns contos de Machado de Assis,que estão no livro de 1899 - PÁGINAS RECOLHIDAS - COMO CITADO ACIMA, PARA SEU MAIOR CONHECIMENTO LEIA TAMBÉM, assim como eu;
1. CASO DA VARA | 7. LÁGRIMAS DE XERXES |
2. O DICIONÁRIO | 8. PAPÉIS VELHOS |
3. UM ERRADIO | 9. HENRIQUETA RENAN |
4. ETERNO! | 10. O VELHO SENADO |
5. MISSA DO GALO | 11. ENTRE 1892 E 1894 |
Fonte aqui
Leia também a Resenha feita pela companheira de Blogagem Coletiva
Tucha dona do Blog 50 Possibilidades " LENDO MACHADO COLETIVAMENTE "
Peço desculpas por minha ignorância literária, mas é apenas uma Resenha simples de uma pessoa que adora ler, mas infelizmente não tenho o dom da escrita, mas me esforço bastante.
Coloco na íntegra o conto Machadiano, para os que são apaixonados por Machado como eu...
MISSA DO GALO
NUNCA PUDE entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? pergun-tou-me a mãe de Conceição.
- Leio, D. Inácia.
Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não foi? perguntou ela.
- Não fui, parece que ainda não é meia-noite.
- Que paciência!
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro, ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
- Não! qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer Já disse que ela era boa, muito boa.
- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
- Quando ouvi os passos estranhei: mas a senhora apareceu logo.
- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
- Justamente: é muito bonito.
- Gosta de romances?
- Gosto.
- Já leu a Moreninha?
- Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
"Talvez esteja aborrecida", pensei eu.
E logo alto:
- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho feito isso.
- Eu, não, perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que velha o que, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor.
A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
- Mais baixo! mamãe pode acordar.
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dous, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve, se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
- Eu também sou assim.
- O quê? perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- Há ocasiões em que sou como mamãe, acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela rnissa Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
- Mais baixo, mais baixo. . .
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver rnelhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
- São bonitos, disse eu.
- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso, mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galol"
- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
- Já serão horas? perguntei.
- Naturalmente
- Missa do galo! - repetiram de fora, batendo.
- Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus até amanhã.
E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.
Fonte aqui
Um maravilhoso final de semana para todos(as)!
Aproveitem o friozinha que está por vir e leiam as indicaçoes de contos do grande e maravilhoso Machado de Assis.
Rosane!
parbéns pela resenha e pelo blog.Gostei muito daqui.Grande abraço.
ResponderExcluirQuerida RÔ,
ResponderExcluirprometo voltar para ler com calma e atenção que merece seu texto, estou de saída para o final de semana e vim correndo para deixar carinho, dizer que sua visita é um prazer imenso e uma alegria sem fim, a minha casa é sua e para vc reservo o melhor lugar, sinta-se a vontade.
beijos de lindos dias
Acho que os nossos comentários se completam, olhares parecidos, olhares diversificados...
ResponderExcluirLegal que para um mesmo texto as leituras vêm tão diferentemente, assim nasce a riqueza. É uma pena que outras pessoas não tenham aceito o desafio.
Pode ficar a vontade pra seguir, vou acompanhá-la também.
Gostaria muito de participar, mas não vai dar. Que bom que vc. participou.
ResponderExcluirEu te vi. no blog da Mylla.
Com carinho
Sandra