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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Velho olhando o mar

"Às vezes, você perde vários poemas, porque sente uma frase, sente algo murmurado no seu espírito e não presta atenção porque está ocupado com os ruídos da vida. É necessário apurar o seu ouvido, ter a humildade de anotar a coisa mesmo quando ela não é muito boa. Pode, de repente, um texto meio nebuloso, meio esquisito, meio simplório demais, dar raiz a um poema posteriormente interessante."

Affonso Romano de Sant'Anna


Velho olhando o mar
Affonso Romano de Sant'Anna


Meu carro pára numa esquina da praia de Copacabana às 9h30m e vejo um velho vestido de branco numa cadeira de rodas olhando o mar à distância. Por ele passam pernas portentosas, reluzentes cabeleiras adolescentes e os bíceps de jovens surfistas. Mas ele permanece sentado olhando o mar à distância.
O carro continua parado, o sinal fechado e o estupendo calor da vida batia de frente sobre mim. Tudo em torno era uma ávida solicitação dos sentidos. Por isto, paradoxalmente, fixei-me por um instante naquele corpo que parecia ancorado do outro lado das coisas. E sem fazer qualquer esforço comecei a imaginá-lo quando jovem. É um exercício estranho esse de começar a remoçar um corpo na imaginação, injetar movimento e desejo nos seus músculos, acelerando nele, de novo, a avareza de viver cada instante.

A gente tem a leviandade de achar que os velhos nasceram velhos, que estão ali apenas para assistir ao nosso crescimento. Me lembro que menino ao ver um velho parente relatar fotos de sua juventude tinha sempre a sensação de que ele estava inventando uma estória para me convencer de alguma coisa.

No entanto, aquele velho que vejo na esquina da praia de Copacabana deve ter sido jovem algum dia, em alguma outra praia, nos braços de algum amor, bebendo e farreando irresponsavelmente e achando que o estoque da vida era ilimitado.

Teria ele algum desejo ao olhar as coxas das banhistas que passam? Olhando alguma delas teria se posto a lembrar de outros corpos que conheceu? Os que por ele passam poderiam supor que ele fazia maravilhas na cama ou nas pistas de dança?

Me lembra ter lido em algum lugar que o inconsciente não tem idade. Ah, sim, foi no livro de Simone de Beauvoir sobre "A velhice". E ali ela também apresentava uma estatística segundo a qual por volta dos 60 anos poucos se declaram velhos; depois dos 80 anos, só 53% se consideram velhos, 36% acham que são de meia-idade e 11% se julgam jovens.

Não sei porque, mas toda vez que vejo um senhor de cabelos brancos andando pela praia penso que ele é um almirante aposentado. Às vezes, concedo e admito que ele pode ser também da Aeronáutica. Por causa disto, durante muito tempo, vendo esses senhores passeando pela areia e calçada, sempre achava que toda a Marinha e Aeronáutica havia se aposentado entre Leblon e Copacabana.

Mas esses senhores de short e boné branco que passam às vezes em dupla pelo calçadão, são mais atléticos que aquele que denominei de velho e, sentado na cadeira, olha o mar.

Ele está ali, eu no meu carro, e me dou conta que um número crescente de amigos e conhecidos tem me pronunciado a palavra "aposentadoria" ultimamente. Isto é uma síndrome grave. Em breve estarei cercado de aposentados e forçosamente me aposentarão. Então, imagino, vou passear de short branco e boné pelo calçadão da praia, fingindo ser um almirante aposentado, aproveitando o sol mais ameno das 9h30m até cair sentado numa cadeira e ficar olhando o mar.

Me lembra ter lido naquele estudo de Simone de Beauvoir sobre a velhice algo neste sentido: "Morrer, prematuramente, ou envelhecer: não há outra alternativa." E, entretanto, como escreveu Goethe: "A idade apodera-se de nós de surpresa." Cada um é, para si mesmo, o sujeito único, e muitas vezes nos espantamos quando o destino comum se torno o nosso: doença, ruptura, luto. Lembro-me de meu assombro quando, seriamente doente pela primeira vez na vida, eu me dizia: "Essa mulher que está sendo transportada numa padiola sou eu." Entretanto, os acidentes contingentes integram-se facilmente à nossa história, porque nos atingem em nossa singularidade: velhice é um destino, e quando ela se apodera de nossa própria vida, deixa-nos estupefatos. "O que se passou, então? A vida, e eu estou velho", escreve Aragon.

Meu carro, no entanto, continua parado no sinal da praia de Copacabana. O carro apenas, porque a imaginação, entre o sinal vermelho e o verde, viajou intensamente. Vou ter de deixar ali o velho e sua acompanhante olhando o mar por mim. Vou viver a vida por ele, me iludir que no escritório transformo o mundo com telefonemas, projetos e papéis. Um dia, talvez, esteja naquela cadeira olhando mar à distância, a vida distante.

Mas que ao olhar para dentro eu tenha muito que rever e contemplar. Neste caso não me importarei que o moço que estiver no seu carro parado no sinal imagine coisas sobre mim. Estarei olhando o mar, o mar interior e terei alegrias de nenhum passante compreenderá.

Li esta crônica há mais de 10 anos, no Jornal do Brasil - Rio de Janeiro, se não me falha a memória. Achei-a tão bonita que recortei o jornal e guardei num daqueles lugares que só por acaso a gente acaba voltando. Foi o que aconteceu. Mexendo em meus papéis, encontrei-a e voltei a me emocionar ao lê-la. Apresso-me em dividí-la com os amigos do Releituras.

Bom dia a todos(as)!
Rosane!



11 comentários:

  1. Adorei as crônicas e os ensinamentos, Vó Rô, estava com saudades de ler palavras de sabedoria por aqui... Engraçado que estava pensando nestas coisas nestes dias... E meu pai é um exemplo de que o cronos é só uma ilusão... Ele tem 67 e passa longe, bem longe de ser um velho, rsrsrs...
    Abração!
    Leandro

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  2. Oi Rosane, vc está sabendo dessa blogagem? Fiz um convite no meu blog, mas vc poderá confirmar se deseja participar no link abaixo.

    Blogagem Coletiva Direitos Humanos 2008 II (Aval das Nações Unidas)

    Maiores informacoes aqui:

    http://fenixadeternum.blogspot.com/2008/11/direitos-humanos.html

    Um abraco e boa noite

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  3. Mó legal os seus textos vó!!!Bjuxxxxx!!!!!!

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  4. Holá Vó Rô!
    Quanto tempo! Senti saudades daqui.

    E agora venho lhe visitar e encontro Affonso Romano de Sant'Anna, um escritor que conheci ha pouco tempo por meio da Lorena.

    Adorei!

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  5. ai que lindo Rô!!!
    quase chorei aqui na frente do pc!!!!

    beijinhos!

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  6. Noossa, vó!!!
    Eu estou aqui completamente emocionada... me arrepiei toda enquanto lia.
    Beijoos

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  7. " Mas que ao olhar para dentro eu tenha muito que rever e contemplar. Neste caso não me importarei que o moço que estiver no seu carro parado no sinal imagine coisas sobre mim. Estarei olhando o mar, o mar interior e terei alegrias de nenhum passante compreenderá"... felíz escolha desse texto, muita linda. obrigada. bj

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    O Cantinho das orações faz 2 anos apareça e deixe um comentário, abraço
    Manuela
    http://cantinhodasoracoes.blogspot.com

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  9. Querida olá!

    Boa tentativa, para que as pessoas acordem os ouvidos e sobretudo se escutem! Há ausência de sons melodiosos nos inúmeros ouvidos em estado de letargia.
    Achei muito suave e delicioso este post.
    ainda não te vi na Sala dos Òscares! O Juca já lá foi! faltam alguns, poucos, e sobretudo tu!
    Vai lá...o palco está já iluminado, a orquestra já deu os primeiros acordes...estás atrasada!
    Se fores ao blog principal olhas a faixa da direita e vês logo os òscares. clikas aí e ficas logo lá!
    Deixo-te um beijo e abraço-te no PAI sempre...
    Grata pelo que me envias

    Abraços nossos
    Sempre
    ~MAriz

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  10. Querida
    E fizeste bem em guardar porque ela é linda!
    Querida amiga, mãe, avó, MULHER!

    Venho informar que foi inaugurado mais um blog meu - mesmo estando inacabado só com uma única informação - mas que visa dar a conhecer o que for oportuno e me chegue ao conhecimento, para ajudar o Planeta e também o nosso próximo; por isso lhe chamei "Ajuda e Divulgação".Lá, está visível uma prenda e um beijo, para todas, neste DIA ESPECIAL.
    Seguidamente - e basta clikar no blog respectivo "ÓSCARES" - está já preparada uma homenagem, onde o prémio "MULHER 2009" espera a visita das que de uma forma mais assídua ou "en passant", vêm acompanhando o blog oficial "SOU PÒ E LUZ"! Neste também existe um mimo para todas.
    Espero que gostes!

    Abraço meu e que Deus esteja ao teu lado
    SEGURA-TE...
    Mariz

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"Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária
Para aceitar as coisas que não podemos modificar,
Coragem para modificar aquelas que podemos,
E sabedoria para distinguir umas das outras".

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